Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava!
Acreditava,
porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os teus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os teus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...
já não se passa absolutamente nada.
E, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos nada que dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
Eugénio de Andrade
11 comentários:
O Eugénio que nunca encontrou o seu marinheiro... pobre velho. "Gastámos tudo menos o silêncio"...era um rico poeta.
bj
Sim, riquíssimo, literalmente.
Bjo
Estu literalmente sem palavras. Adorei. Simplesmente isso.
Um beijo
Obrigada, a.p.
É sempre bom relembrar um mestre. Simplesmente fantástico, real, verdadeiro.
Bjo
olá Maria
Ando afastada pelos melhores motivos, tenho que estar de repouso absoluto, espero voltar para a semana que vem.
beijocas, muitas
Fico muito, muito feliz!!
Até já e muitos bjs
O melhor poema de todos os tempos.
Adeus.
Obrigada pela visita, RC, espreitei os teus "cantos" e vou voltar, para ler com mais atenção...
Até
Bom weekend!
Bom fim de semana, para ti também, e para todos!
Bjocas
Lindo este Poema, simplesmente Lindo. Pena quando as relações chegam ao ponto de já não haver palavras....
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