quarta-feira, janeiro 10, 2007

De passagem

Fechou-se em casa. Só.

Longe de todos aqueles que já não o acompanham.

Está velho. Gasto, sem vigor.

Já ninguém ouve o que diz, nem se preocupa com o que faz.

Recorda-se.

Já ninguém se importa, é evitado, como um outro qualquer problema sem solução.

Apenas o conforto do sofá lhe traz algum consolo, alguma paz, recordações...

Lembrou-se que, em tantos anos, nunca ali tinha estado sentado sozinho.

Sem televisão, sem ninguém.

Foram muitos anos.

A chuva que escorria pelas janelas fê-lo virar-se.

Também ele queria chorar, mas sem sucesso. Já não conseguia.

Só o alivio da despedida o fazia continuar.

Mas naquele dia, com chuva, acordou em paz. E sabia.

Voltou ao seu encosto e cobriu-se.

Fechou os olhos.

Morreu só.

E com a esperança de voltar a encontrá-la, do outro lado, de mão estendida.

De encontrar os braços que já eram seus.

Consta, na certidão de óbito.

Amor, com complicações derivadas de saudade crónica.

3 comentários:

Maria disse...

'Tão triste.
'Tão lindo.


beijinhos e boa quarta-feira

Abssinto disse...

O fim de muitos de nós. Trágico, mas talvez a morte mais bela e serena.

Beijo

Jo disse...

Tristemente bonito. E gostava de pensar que sim, que a encontrou, do outro lado, à espera.
Bj